9 de jan. de 2010

Contos Auxiliares

Já tinha entre os dedos o oitavo cigarro daquela manha. Já havia andado por todos os cômodos da casa procurando sabe-se lá o que. Como se em cada um deles fosse encontrar uma razão concreta para o que estava sentindo.
Era um desconforto na alma.
Sentia-se como se a qualquer segundo pudesse explodir. Fundir-se com as paredes, manchar a mobília da casa de carne pulverizada. Ou mesmo derreter sobre os travesseiros e lençóis da cama, deixando ali uma cola viscosa cuja procedência jamais seria identificada.
Passara um bom tempo sentada no tapete do corredor olhando fixamente para o espaço entre a porta fechada e o chão que deixava entrar por debaixo um feixe de luz. Imaginava o que poderia acontecer se saísse mas não o faria jamais. Lhe causava medo pensar na possibilidade de que lhe apetecera andar para longe e jamais voltar a pisar seu observatório de si mesma.
Sua casa, seu corpo. uma coisa estava encerrada na outra e ela sabia que devia permanecer ali sem sair. Devia seguir buscando de cômodo em cômodo até que encontrasse suas razoes.
Talvez metidas entre um livro e uma revista de fofocas no banheiro, ou quem sabe escondidas dentro de uma panela na cozinha.
Pode ser também que não encontrasse nada, no máximo encontraria outro cigarro. Pronto para ser aceso e tragado como fazia consigo mesma naquela manha de sábado em que sentia nao sei o quê.

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Hoje acordei sensível.
Se parasse por alguns instantes para pensar no que tenho por dentro, choraria. Depois agradeceria pela sensibilidade que neste dia veio potencializar certas coisas.
Entendo a vontade que tenho de abraçar alguém e no momento seguinte fazê-lo chorar contando lhe uma verdade tao infalível a respeito de si mesmo que lhe faria brotar as lágrimas.
Aceitaria o fato de que aprecio a beleza das flores que tenho num vaso sobre a mesa, mas que nao sei bem se por crueldade ou prazer mórbido- me pego quase esmigalhando para ver-lhes terminar como um dia também vai findar meu corpo: um amontoado de restos.
Compreendo o instinto; esse sim cruel e sádico- que me desperta a figura dos bebês. Pequenos, gordinhos e indefesos, descansando lívidos. Me convidam a morder as pontas dos seus dedos minúsculos até que chorem de dor.
Por fim acabaria chorando eu mesmo. Me desesperaria fazê-lo. O feitiço viraria contra o feiticeiro e acabaria eu mesmo roendo meus dedos como punição. Nao há nada que me desespere tanto quanto o choro dos bebês.
Por isso agradeço pela sensibilidade que me acomete no dia de hoje e que me lembra; muito oportunamente- de que na maior parte das vezes é a nossa avidez em atender aos nossos próprios desejos que nos arruina e nos faz desejar a nossa própria desgraça.

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Sentia-se divina naquele dia.
Passara horas em torno de si mesma. Banhando-se, penteando-se fazendo as unhas. Andava nua pela casa como que para celebrar com todo o seu corpo a sensação de que desfrutava naquela tarde.
Escolhera dentre todos os frascos o perfume mais suave de que dispunha. A idéia era nao macular, nem que fosse pelo olfato a imagem perfeita que fazia de si mesma naquelas horas que se seguiam desde que percebera em si própria uma qualidade que nao se encontrava ali normalmente. Sua pele, cabelo e olhos pareciam emanar a aura do sublime.
Quando por descuido, ao passar entre o guarda-roupas e a cama desarrumada deixou escapar o olhar para o espelho e viu entao que tudo aquilo que acreditara desde que acordou naquele dia já nao estava mais ali.
De um momento ao outro passou a sentir-se a mais horrenda, execrável e desmerecida criatura do universo.
Ali, naquele espaço entre a cama e o guarda-roupas olhando fixamente para o espelho que lhe revelara a morte repentina de sua beleza, chorou.

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Ela preferia o amor.
Com todas as suas forcas e à todos os estados e sentimentos: ela preferia o amor.
Nao era que a melancolia as vezes nao lhe trouxesse um mórbido prazer. Nao era que a tristeza e as lágrimas vez que outra nao lhe apetecessem; sim ela as queria e desejava chorar por vezes.
E ainda que estivesse sendo acometida pelo mais profundo e sincero sentimento de felicidade, pelo êxtase de uma alegria sem tamanho; dessas que se experiência somente duas ou três vezes na vida esse rompante de tudo de bom nao estivesse sendo seguido de perto por um amor, nao valeria tanto quanto em caso afirmativo.
Era quase como que se para fazer pleno e total qualquer sentimento o amor devesse ser o acompanhamento obrigatório.
Era necessário, ou melhor vital à felicidade, melancolia ou à tristeza que estivesse anexada ao amor. Só assim ela se sentia viva.

Um comentário:

Nicole disse...

PUTA MIERDA!!!
Poderia eu ter escrito todos no dia de hoje!!
Ai como dói a vida as vezes!!!