4 de jun. de 2008

Em caso de Emergência: Aposte!

Nove horas da manhã e eu estou deitado no chão. Respirando e dançando.
Recebo, decodifico, aposto e confio. A dança toda pode ser resumida nisso: comunicação.
É muito importante dizer que se trata de informação ao/para o corpo. São indispensáveis nessa comunicação os olhos, ouvidos e boca, mas é mais indispensável ainda, que se desenvolva um outro tipo de fala e ou escuta e ou visão: a escuta com as escápulas, a fala dos calcanhares, os olhos do quadril, o tato do couro cabeludo. Sem afinar esse tipo de percepção a comunicação não tem sucesso.

Num primeiro momento, “ver e sentir” cabeças escorrendo, pés derretendo, e partes do corpo caindo umas dentro das outras parece absurdo. Mas não é.

Corta para um casino.

Ao redor de uma mesa com uma roleta estão 11 bailarinos. A croupier anuncia o início de uma nova rodada: “-A testa está caindo sem parar dentro do púbis e isso aumenta o espaço que existe entre as vértebras. Façam suas apostas!”
Cada bailarino aposta nessa imagem o número de fichas que julga coerente e a roleta começa a girar. A velocidade das voltas é ditada pela respiração de cada um somada à fé que coloca no jogo e ao número de fichas que cada um apostou. Ao fim da rodada, depois de terem cessado as voltas da roleta, pode se contabilizar os ganhos que cada um obteve. Espaço entre as vértebras, bônus em forma de relaxamento da musculatura na região da coluna lombar e cervical, alargamento da cintura escapular, melhor fluxo respiratório, entre outros lucros inesperados para uma aposta aparentemente sem o menor nexo. Felizmente sempre que uma rodada termina, nenhum dos jogadores se queixa de deduções no seu montante. Todos permanecem ao redor da mesa e as apostas seguem acontecendo durante um bom tempo.

Corta de volta para a sala de ensaio.

A palavra “aposta” é muito freqüentemente usada em aula. E depois de ter formado a imagem do casino ela passou a fazer um sentido maior ainda. Apostar nas imagens é tudo do que depende a fixação das experiências pelo corpo. Acreditar que: sim, minha testa “pode” cair dentro do púbis e isso vai fazer com que os espaços entre as vértebras aumentem, muda completamente a relação do corpo com ele mesmo. No sentido de que não se emprega mais força ou tensão muscular excessiva e desnecessária em nome de um resultado que pode vir simplesmente deixando “agir” uma imagem e acreditando nessa possibilidade. Esse resultado, antes alcançado com uma série de compensações e contra-partidas indesejáveis, agora vem limpo, sem ônus em forma de dor, ou tensão em regiões que não tem relação direta com o foco do exercício.

O papel do croupier nesse jogo é fundamental, na medida em que ele é o encarregado de distribuir aos “jogadores” um número igual de cartas, administrar as apostas na roleta, coibir polidamente o blefe, e fazer com que as fichas circulem. Parte do lucro da casa depende desse personagem. E, no nosso caso o papel do Croupier vem sendo brilhantemente desempenhado por Tatiana da Rosa. Boa parte dos lucros da “nossa casa”, o Grupo Experimental, têm vindo através da habilidade dela em administrar as apostas que fazemos duas vezes por semana, “na mesa de jogo” que se instala cada vez que inicia uma aula dela.

Através das indicações da Tati se descobre novos jeitos de fazer velhas coisas. O cruzamento de idéias entre essa e outras aulas se dá de maneira muito evidente e proveitosa, justamente por ser um lugar onde se pode esmiúçar a relação entre os fazeres. Perceber muito claramente onde se entrecruzam as informações, além de como e onde pode-se aplicá-las em outras situações nesses diversos fazeres, simplesmente acessando mentalmente uma imagem. Existe dentro das práticas executadas em aula uma relação de confiança e troca que dá o tom de rigorosamente tudo o que acontece durante os processos de investigação do movimento através das imagens. É quase um acordo, que jamais foi realmente feito, em que nós nos comprometemos em apostar nas imagens, sob a condição de que ela também aposte nas nossas imagens e percepções. E esse jogo funciona.

Em cada proposta dela, se descobre outras inúmeras propostas e, dentro de uma medida- que eu ainda não consegui distinguir bem qual é, mas deve haver, vamos nos aprofundando e desdobrando as questões, sugerindo novas imagens e fazendo novas apostas. Desse jeito, freqüentemente durante as aulas iniciamos numa ponta do novelo e quando nos damos conta já trocamos ele por um outro sem perceber. E o melhor de tudo: sem perder o fio da meada.

A possibilidade de “interferir” no andamento das aulas, de cambiar as direções que o grupo vai seguir naquele dia pelo fato de que um de nós encontrou uma “direção nova” dentro de uma das imagens, ou percebeu que essa imagem, combinada com outra, pode trazer um resultado diferente e daí gerar um “boom” de novas micro imagens e propostas que vão sim ser aceitas e levadas a sério pelo professor é libertador e muito gratificante. Dentro do nosso grupo é unânime o gosto que os bailarinos tem por esse tipo de pesquisa e é evidente o resultado que ela vem mostrando ao longo dos meses de trabalho que desenvolvemos.

A principal diferença, além de tornar o corpo mais disponível, munido de ferramentas mais variadas, e acima de tudo informado e ciente de outras vias para a realização de um movimento “x”, é o refinamento que os bailarinos têm adquirido por conseqüência das aulas. É perceptível uma maior soltura, entendimento de peso e começa a ficar mais clara a noção de “movimento tridimensional” que é muito desejado por todos. Na verdade, é fora da mesa de jogo que conseguimos ter a real dimensão dos efeitos do trabalho. Quando durante uma cena do espetáculo uma das fichas que apostamos em uma determinada imagem cai e faz com que percebamos quanta diferença nos fez ter apostado. Sentindo quão mais fluído e mais prazeroso se torna a dança revelada por cada um dos pequenos investimentos que fizemos durante o processo.

Poder divertir-se onde antes havia a tensão do movimento amarrado e transcender certas limitações transformando-as em ferramentas a nosso favor faz querer cada vez mais investir e apostar.

Que hajam muitos próximos jogos!

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Nicole disse...

Meu Bem!!!
Embora tenha amado teu texto, vim responder teus comentários meus!
Sim eu escuto muito o q tu fala, sim tbm foi pelas tuas palavras, pela imagem q delas veio e onde me sinto, mexe mesmo!
Mas me vejo nesta beirada a tempo, e vejo como este abismo, e deu o adjuntó, com o q eu já sentia+tuas palavras+esta imagem q achei por acaso= pensamentos e movimentos saindo!!
Te leio, te ouço, te danço, te enxergo, te gosto de amor e carinho amiguinho!!!

PS:HAVERÁ PARADEIRO PARA O NOSSO DESEJO DENTRO OU FORA DE NÓS?
HAVERÁ PARAÍSO?SEM PERDER O JUÍZO E SEM MORRER?...